Querelas da língua portuguesa
Lacerda virou objeto direto em slogan
Publicado no
Jornal OTEMPO em 07/01/2012
MODESTA TRINDADE THEODORO
Pedagoga e professora aposentada
Três colegas e eu éramos da comissão de imprensa em uma greve que aconteceu quando Patrus Ananias era prefeito de Belo Horizonte. Em uma das reuniões, de repente, um colega filósofo soltou a pérola:
- Patrus é feio, não é?
Calamos, depois veio o burburinho:
- Por causa de quê? Da barba?
- Também sou feia, nem vem. Veja o meu nariz, e olha que eu gosto dele.
- Não, gente! Patrus é feio porque não paga no dia correto, porque deixa a greve continuar, porque... é feio!
- Parece um homem de princípios.
- Mas é feio!
Batata! Surgiu o outdoor. "Patrus, é feio...". Os três primeiros termos em letras garrafais, a explicação da feiura em letras reduzidas. Ninguém enxergava a vírgula entre o vocativo e o restante do texto.
Lembrei-me do fato ao ler nos jornais a frase imperativa criada pelos manifestantes: "Veta Lacerda". Depois, seguem as explicações: veta o aumento de 61,8% para os vereadores, veta o projeto que cria 12 cargos comissionados para a Câmara e por aí vai.
Minha irmã mora em Vila Velha (ES) e leu em um jornal sobre o movimento "Veta Lacerda". Desconhecendo o contexto, logo questionou o porquê de o pessoal estar pedindo para vetar o prefeito. Expliquei-lhe, então, o contexto. A vírgula sumiu, Lacerda se transformou em objeto direto, já que o verbo aí é transitivo direto. Querelas da língua portuguesa.
Espero que o prefeito enxergue a vírgula inexistente. Nem sei se ele é feio, mas, tal qual Patrus, é esperto.