Para: professorpublico@yahoogrupos.com.br
O Editorial é terrível, especialmente para pedagogos.Em contrapartida, foi publicado no caderno Pensar: "Que falta de Educação" (27/08, EM) um texto bem interessante.
E é possível lê-lo durante toda a semana, só é publicado aos sábados.Observe:
Que falta de educação
João Paulo
Publicação: 27/08/2011 04:00
No Estadual Central, salas vazias são reflexo de caminhos que não se cruzam: alunos em casa e professores na rua
A greve do setor público estadual da educação carrega um punhado de sinais. O mais importante deles, além dos baixos salários e das más condições de trabalho dos professores, é a forma como a educação vem sendo tratada no Brasil. E não é de hoje. O fato de os movimentos de paralisação se concentrarem sobretudo na questão do ganho do professor (com o pouco sutil desvio do nome de salário para subsídio, de modo a turvar a discussão) é um sintoma a mais da doença do descaso com que o setor é considerado. Independentemente de qualquer argumento, a defesa de pagamento a professores do ensino médio em patamares próximos ao do salário mínimo é um atestado do que vale a profissão para o gestor público.
A conta da remuneração do professor – como de qualquer outro profissional que exerce funções relevantes – deveria ser passível de um cálculo simples, que se balizasse pela menor discrepância possível entre o maior e o menor salário praticado. Assim, é justo e lícito pensar que um mestre de primeiras letras ou de ensino fundamental e médio recebesse valores compatíveis com salário do governador, do conselheiro do Tribunal de Contas ou de um juiz, na razão de até três por um. A não ser que, deixado de lado o escopo meritocrático (o que é mais importante para a sociedade?), a escolha recaísse em atributos de distinção e poder.
Não se trata de sofisma ou utopia. Em alguns países essa regra é aceita como padrão de civilidade. No Brasil, a constituição do sistema de educação, seja na relação público e privado, seja nas diferentes atribuições dos três níveis de governo, seja no tratamento diferenciado dos estágios de formação, tudo isso concorre para a construção de um edifício injusto e gerador de mais injustiça. Em outras palavras, há primazia do setor privado, indefinição de competências e afunilamento de oportunidades para a formação em nível superior na universidade pública. Nosso sistema é um rito voltado à exclusão.
A greve na educação, além de um fato político fundamental, tem potencial pedagógico em uma sociedade que parece ter perdido o norte do movimento sindical em nome de um realismo pragmático. Se nas sociedades modernas as relações políticas se deram em torno de duas instâncias formais – os partidos e sindicatos –, o contexto contemporâneo parece ter dissolvido essa história. Os partidos pelo jogo indecente da coalizão tocada a negociatas e "participação no poder"; os sindicatos pela busca de resultados e corporativismo alienante. Resta a recuperação dos movimentos sociais, que surgiram como alternativa nos anos 1970 e hoje parecem conter boa parte da politização social, mesmo que demonizados pela imprensa.
Quando professores cruzam os braços em reivindicações legítimas estão dando lições de cidadania. A perda do potencial politizador e educativo do outro lado se instaura quando a negociação, em vez de se dar na arena pública do debate, se desloca para a imprensa em forma de comunicados que distorcem a realidade (como a já referida "sutileza" de renomear salários como outro nome). Fingir que não se faz política em nome de decisões técnicas é a forma mais estúpida de fazer má política. A boa condução de um momento de crise deixa lições dos dois lados: o que pode a política quando impulsionada por demandas justas e o que cabe ao poder estatal na tarefa sempre necessária das revisões de rota em nome do interesse público. Negociar pode ser uma tarefa rica ou uma ação sem mérito. As duas possibilidades estão sempre em jogo.
Falsas premissas O combate à corrupção, que vem ganhando cada dia mais espaço na vida pública brasileira, é sempre referido sob um duplo vínculo. De um lado, trata-se de cortar uma tendência criminosa da nossa formação, que concentrou privilégios e hipertrofiou o interesse particular, usando o Estado como alimento. A corrupção seria um dos nossos males de origem, mas nem por isso nosso destino. De outro lado, o resultado da erradicação desse parasitismo social seria a garantia do fortalecimento das políticas públicas, principalmente educação e saúde. O dinheiro que falta na área social estaria sendo drenado pelas más práticas e pela má-fé.
A lógica pode ter sua facilidades. Assim, o teorema político tinha duas pernas e uma conclusão: se o roubo retira os recursos necessários ao interesse público, combatido o crime com eficiência, estaríamos preparados para implementar práticas excelentes no campo social. A candura do argumento está tanto nas premissas quanto na conclusão.
Em primeiro lugar a corrupção não é um desvio, mas uma triste regra norteadora dos interesses políticos. Não é por acaso que muita gente tem defendido o fim das ações do governo federal na área, dizendo que já é "hora de governar", como se combater a corrupção não fosse um dos bons exemplos de governança.
O segundo momento do nosso silogismo parece universalizar as estratégias de acercamento do problema em torno de crimes e desvios legais. O mais grave não é tanto o delito, mas a consideração de que as ações públicas são consideradas universais e inquestionáveis por todos. Assim, tanto é corrupção o desvio puro e simples de recurso como, por exemplo, os planos de ajuda aos bancos, a escassez de recursos orçamentários para a área social e – para não fugir do assunto – o pagamento de salários irrisórios aos professores.
Por fim, a terceira parte da argumentação é a mais passível de debate: afinal, de que educação estamos falando quando deixamos jorrar da boca essas palavras como sendo o paraíso das nossas boas intenções? A história da educação no Brasil, construída em nome de uma perspectiva que garantiria oportunidades iguais de participação na riqueza social, se mostrou, nos últimos 50 anos, um campo de luta. Houve o momento em que foram questionadas as raízes ideológicas do processo, de caráter muito mais reprodutor (era a palavra da época) que formador. A educação discriminava as faixas populares, concentrava capital simbólico e alimentava os interesses do sistema econômico. Nada de liberdade, nada de igualdade. Fraternidade, então, nem pensar.
A primeira Lei de Diretrizes de Bases da Educação, de 1961, foi criada no contexto de uma sociedade siderada pelas promessas do desenvolvimentismo e, mais que mecanismo de ascensão, a educação se tornava estratégia para o progresso, traduzida na preparação para o mercado. Depois de várias iniciativas inspiradas pela consideração do processo educativo como agente de dinamização da sociedade, parece que retornamos ao mesmo imperativo da educação pensada como adestramento, o que pode explicar o atual desprestígio do saber em nome da competência técnica. Mais uma vez, parece que o Brasil, sem alcançar a modernidade (ensino universal, laico, gratuito e de qualidade), buscou um atalho sedutor da pós-modernidade (ensino pago, adestrador, elitista e ideológico).
Líquida e incerta O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, criador do conceito de modernidade líquida, definiu nosso tempo como "inóspito à educação". O novo modelo de educação, para ele, coloca em xeque a ideia de invariantes, uma outra maneira de definir os valores sólidos de uma sociedade. No mundo líquido, não há lugar para fidelidade ou compromissos a longo prazo. A educação, nesse horizonte, vai ao sabor dos ventos (é só ver como os jovens hoje são mais preocupados com o emprego do que com a carreira; com o resultado do que com a construção; com o salário do que com o trabalho), nas asas do mercado e da competição. A educação, hoje, de acordo com Bauman, se preocupa mais em descobrir saídas individuais para problemas coletivos que achar o rumo de respostas coletivas para problemas privados. Sai o educador e entra em cena o orientador de carreira; o conhecimento se torna menos importante que a personalidade.
A greve é um momento de repensar a carreira dos professores e a dignidade de seu ofício. Mas é, principalmente, a hora de decidir que mundo estamos construindo. A forma como os professores são tratados é um sinal de civilização para todos ou a afirmação da barbárie que interessa aos defensores dos privilégios de classe.
Fonte: Jornal Estado de Minas
EDITORIAL » Vexame na escola Prova revela que metade das crianças não aprendem o básico
Publicação: 28/08/2011 04:00
A educação não para de desmentir o sucesso e de colocar em dúvida o futuro da sétima economia mundial. O mais recente raio X de como anda o aprendizado das crianças brasileiras não autoriza o otimismo oficial, especialmente quanto às vítimas da escola pública. A Avaliação Brasileira do Final do Ciclo de Alfabetização, conhecida como Prova ABC, foi aplicada a seis mil alunos do 3º ano do ensino fundamental (antiga segunda série). O exame foi elaborado por especialistas do movimento Todos pela Educação, em parceria com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão do Ministério da Educação, e com participação da Fundação Cesgranrio e do Instituto Paulo Montenegro/Ibope. Os testes foram aplicados em 250 escolas públicas e privadas de todas as capitais e do Distrito Federal, o que resulta numa mostra considerável da realidade escolar desse nível de ensino.
Na série estudada, as crianças têm entre oito e nove anos, ou um pouco mais, no caso dos alunos por algum motivo atrasados. As provas procuraram medir quanto os alunos tinham aprendido em relação ao esperado para o que tinha, ou deveria ter, sido, ensinado, àquela altura da escolaridade, com foco na leitura, escrita e na matemática. O que se revelou foi que, em vez de funcionar como um dos principais instrumentos de inclusão social e de preparação da futura geração para garantir competitividade ao país, a educação tem falhado gravemente, especialmente na rede pública e nas regiões menos desenvolvidas. Praticamente a metade das crianças examinadas não aprendeu os conteúdos. A Prova ABC constatou que 44% dos alunos da terceira série leem mal, 46,6% escrevem ainda pior, e nada menos do que 57,2% têm seríssimas dificuldades em matemática. Os testes revelaram que, com mais de oito anos, a maioria ainda não sabe ler horas e minutos em relógio não digital nem calcular intervalos de tempo, não consegue fazer o troco de pequenas quantias e não reconhece medidas de comprimento em centímetros.
Não é menos preocupante a explicação de um professor do Inep para esse verdadeiro desastre no ensino da matemática: "Os professores dessas primeiras séries são formados em pedagogia, curso que atrai pessoas de classes mais baixas, e não tiveram boa formação em matemática." Ele mesmo reconhece que se trata de um círculo vicioso que precisa ser rompido. É muito mais do que isso. O professor não disse, mas os números da Prova ABC não mentem: tem sido insuficiente a vontade e enorme a incapacidade do governo de suprir o ensino público fundamental de meios e de gente qualificada para quebrar, em vez de manter, a desigualdade social do país. A verdade que emergiu das provas é que a distância entre as escolas pública e particular permanece inaceitável – o percentual de alunos com nível de aprendizado esperado é o dobro na particular, situação que se agrava fora das regiões Sul e Sudeste. Tampouco é aceitável atribuir o lamentável desempenho dos alunos da rede pública essencialmente à condição econômica de suas famílias. É uma maneira de tentar fugir da responsabilidade pelo vexame, atirando-a pela janela da escola em direção à questão social do país, a qual lhe cabe ajudar a modificar. A todos – governo, educadores e pais – cabe culpa e mudança de atitude. Exceto aos alunos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário