Quinta-feira, 28 de Setembro de 2006, 00h01
Modesta Trindade Theodoro
Em certo momento difícil, vendo-me cabisbaixa, o professor Jack perguntou-me o que estava acontecendo. Resolvi contar a ele, dias depois. E ele, sorrindo, com aquele jeito meio sem jeito: "Pensei que fosse algo muito mais sério! Escute: leia ' Nunca lhe prometi um jardim de rosas '. Busque-o na área de psicologia. Deve ter na biblioteca".
Depois de uns 15 dias, consegui o livro. Descobri que não dava à psicanálise o trato que ela merecia... Estávamos em 1989 e eu estudava Pedagogia no Instituto de Educação, que a partir de 1992 foi o primeiro curso da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg).
Eu poderia ter sido dispensada das aulas de filosofia e sociologia, pois já havia estudado as disciplinas na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop); mas foi bom.
O professor tratava com seriedade certas tolices que murmurávamos, e sorria quando lia um texto bem acabado, fruto de sua real intenção: fazer com que lêssemos e pensássemos sobre os problemas sociais.
Às vezes, não gostávamos. Por exemplo: quando ele se encostava junto ao quadro- de - giz, segurava no aro grosso dos óculos e punha-se a pensar. De repente, levantava um problema cabeludo. Até tirar pêlo por pêlo, gastávamos dias. Muitas vezes, deixávamos o caso no meio.
Lembro-me de algo mais ou menos assim: "O que vocês acham do ' Manifesto Comunista '? As idéias foram entendidas e aplicadas pelos governantes? E o povo? Onde entra a sociologia nesse contexto?". Escrevíamos folhas e mais folhas e as rasgávamos depois. Tínhamos prazo para a entrega do texto final. Escrevi: "Ora, o Manifesto!" Embaixo, a bibliografia. E ele: "Como vou dar nota no seu trabalho?". Minha resposta não poderia ser outra: "Dê-me tempo, professor, dê-me tempo". Três dias. Madrugar e dormir lendo o "Manifesto". Livro fino, de difícil conteúdo. Ao final, repeti, entre aspas: "Trabalhadores de todos os países, uni- vos !". E, depois, continuei: Duvido, Marx. Você é que pensa, Engels. No dia em que isso acontecer, os proletários estarão no paraíso, literalmente.
Não me lembro do professor Jack punindo os estudantes com notas baixas. Na verdade, a mim nunca interessaram as notas. Ele queria a presença, o trabalho, as avaliações; para observar, diagnosticar, retornar se preciso. Um grande sociólogo. E um bom escritor.
Os artigos no jornal O TEMPO foram todos em defesa de causas que não deixava pela metade, de idéias vinculadas ao que fazia. A ele, onde estiver, meus agradecimentos por ter tido o privilégio do diálogo, da aprendizagem, de ver alguém em luta constante pelos ideais.
Professora aposentada, ex-sindicalista
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quinta-feira, 28 de setembro de 2006
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5 comentários:
Eu não sabia que o professor Jack havia falecido.
Jornal O Tempo/ Setembro
Boa companhia
ARIOSTO DA SILVEIRA
Faz tempo. Moradores do prédio da rua Ceará, logo nos identificamos com o casal vizinho, Jack e Ana Maria. Ele, introspectivo, palavras contadas por quem não dispõe de tempo, como todos nós vindos um dia de comunidades do interior para enfrentar as incertezas da capital; ela, sempre dividida entre o trabalho e a assistência aos pais.
Eram geralmente pedaços de conversa, que cedo informaram sobre as duas personalidades.
Outras ocasiões, como as reuniões do condomínio, revelavam outra face: o sentido do cumprimento das normas e obrigações coletivas, o que lhes valeu o mérito de manutenção da qualidade de vida no prédio que administraram durante vários períodos.
Após mais de uma década de convivência, eu e Marly subimos a rua Ceará e nos reinstalamos na contra-esquina da Tomé de Souza; Jack e Ana caminharam mais, até o belo prédio da rua Rio Verde, no Carmo.
Mas pouco mudou. Ana manteve seu escritório na rua Santa Rita Durão e Jack cumpria ronda diária no território onde ficavam os amigos. Mesmo que não se encontrassem, o Marcos, da banca de jornais da ABC, dava notícia de um ao outro (o Jack passou cedo, o Olavo ainda não).
Era uma permanente troca de opiniões. Tanto mais, depois que Jack começou a produzir um programa de televisão sobre educação e ensino, para o qual me honrava com convites periódicos, para debater assuntos que iam desde reforma constitucional até futebol como expressão cultural e frustração do país na última copa.
Esse trabalho, o sociólogo e educador associava à elaboração de livros, nos quais também abordava temática variada, desde técnicas de planejamento público a crônicas de jornal e reminiscências da infância em Macaia, nas margens do rio Grande.
Em tudo, mantinha uma extraordinária fidelidade a idéias. Com isso, ficou-me a impressão de que, mesmo não se tornando amargo, ou pelo menos não o demonstrando, constatava que a sua pregação nas salas de aula, nos gabinetes dos planejadores públicos e no ambiente partidário em geral - enfim, o trabalho de uma vida -, não concretizava o idealizado.
Senti-o em dias recentes desanimado diante dos descaminhos nacionais, embora identificasse brechas no horizonte, com afirmações do tipo ?apesar de tudo, ética e política não são incompatíveis, como oportunistas e dogmáticos fazem crer?.
Nos últimos tempos, outro ponto de encontro era esta página de O TEMPO, também para cuidar de assuntos diversos.
Quando coincidia de nossos textos serem publicados na mesma edição, eu telefonava para o Jack e dizia : ?Viu como estou em boa companhia hoje?? Pois é. Perdi, perdemos, uma boa companhia. Jack Siqueira se mudou, desta vez para longe, para o outro lado da vida.
Jornalista
Ele faleceu em final de outubro de 2006.
O AMIGO ÍNTIMO
A vida encerra mistérios de compreensão impossível. A certeza da morte, a coisa mais natural do mundo, não é atenuante e sempre choca os relacionados com a pessoa falecida. Sendo natural e prevista (mais natural do que os nascimentos induzidos), deveríamos encará-la com um simples muxoxo, o que não ocorre, e deixa marcas nos que ficam.
Não conheci cara a cara, como usa dizer o cronista Manoel Lobato, o sociólogo Jack Siqueira, que pontilhava nas páginas d´O Tempo. Tomei sabença de sua existência exatamente por meio de seus freqüentes e sensatos artigos nesse jornal.
Faz menos de ano que se deu nosso primeiro contato, quando comentei, via internet, uma sua publicação pertinente, início de nossa correspondência mais ou menos assídua, por e-mails e conversas telefônicas, sempre agradáveis.
De Jack Siqueira ganhei de presente dois livros de sua autoria: ?Casos e Crônicas? e ?Imagens do Tempo?, que vieram alicerçar nosso relacionamento pouco convencional.
Aparentemente superficial, este relacionamento, para confirmar os mistérios da vida, tomou vulto e sabor especial, com ares de confiança mútua, com grande satisfação de minha parte, principalmente quando trocávamos idéias pelo telefone.
No princípio desta semana liguei para sua casa. Atendeu uma voz de mulher que se identificou como sua esposa e, chorosa, deu-me conta do falecimento, na véspera, de Jack Siqueira.
Pelo inesperado, quase perdi a fala. Restou-me, depois de algum tempo, desejar à esposa, que sequer sei o nome, que encontre o reconforto merecido.
De minha parte ficou um vazio atordoante de quem perdeu o amigo íntimo que não cheguei a conhecer pessoalmente.
Belo Horizonte, 27 de agosto de 2006
Salatiel Queiroz Jr / Bairro Caiçara
A carta acima é de 27 de setembro.
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